segunda-feira, 23 de maio de 2016

Não empoderemos Rihanna!: Sobre o significante

 Não é tão polêmico assim, como parece. Começo trazendo Lacan  para me justificar e, mais que, isso, me embasar:

O que, com efeito, constitui o fundo da vida, é que, para tudo que diz respeito à relação entre os homens e as mulheres, o que chamamos de coletividade, a coisa não vai, e todo mundo fala disto, e uma grande parte de nossa atividade se passa a dizer isto

Lacan , Encore, p.46

Em tempos em que palavras como "empoderamento" e "coletividade" são proferidas por todos os cantos, sendo disseminadas como folhas mortas irresistíveis à menor ventania, cabe ressaltar que dentro de um discurso específico, esse discurso analítico que alerta sobre a equivocidade da linguagem , para o deslizamento que caracteriza o campo dos significantes, não faz sentido algum falar em coletividade quando se trata de homens e de mulheres, especificamente sobre relações.

Isso me faz lembrar de uma entrevista que vi com a ótima autora que estuda o feminismo, Camile Paglia, quando ela desconfia de que existe um algo além no discurso de uma vítima de violência por parte de um parceiro amoroso. Ela cita o caso de Rihanna, cantora famosa, bem sucedida, representação contemporânea do que "deveria ser uma mulher de sucesso” que, justificou-se em rede de televisão por perdoar seu controverso par, Chris Brown, dizendo apenas que ele precisava de alguém, que ele precisava ser cuidado.

Como explicar Rihanna? Como fugir à fácil solução do estereótipo materno como se isso fosse tudo o que a Psicanálise tem a dizer sobre uma mulher. Acredito que não devemos tentar explicar Rihanna, não devemos nem tentar absolvê-la nem vitimizá-la, seja qual for o discurso com o qual eu me relaciono, vamos tentar ficar longe de qualquer aparência, de qualquer resposta apressada, mesmo que hoje em dia isso seja quase impossível.

Como empoderar Rihanna? Como fazê-la a diva de si mesma? Como torna-la alguém que liberta de qualquer opressão machista como alguns poderiam definir sua relação com o antigo namorado.
 Penso que devemos ir além da simples, e muitas vezes, despreocupada menção de termos da moda para que possamos entender "coletividade" e "empoderamento" como aquilo que são: nada mais, nada menos do que significantes, e que estes são apenas definidos por seus efeitos de significado. 

Sendo assim, coletividade e empoderamento o useja qual for a outra palavra, ela não significa nada sozinha. Coletivizar noções e fazê-las caber num lugar que não é capaz de comportar nenhum “ideal” é fazer nada, é ficar batendo a cabeça na parede, ininterruptamente.
Partindo do que diz Lacan, assim, é impossível empoderar a mulher porque muitos motivos, um deles seria que dar poder a alguém significa dizer-lhes o que fazer, torna-la protagonista de sua própria história, torná-la “multiplicadora de si mesma” – outro dia ouvi isso de pessoas ligadas a uma causa feminista.

Não se pode dar poder a alguém tentando fixar modelos ou imperativos que são alheios ao que o sujeito é. E isso significa que ninguém jamais pode receber uma fórmula pronta, um “como ser”. Curioso é que há uma necessidade de “fazer ver” “fazer o outro enxergar”. Não sei se isso é possível, não parece ser do ponto de vista psicanalítico, mas esse é somente mais um discurso, como tantos outros que vigoram por aí....logo, nada o torna de algum modo aparentado ao que possa ser uma “verdade”, e nisso, a verdade é democrática: Se não existe para um discurso, tampouco existe para outros, ela nunca se deixa ver – por ninguém.
Voltando a Rihanna, cabe também pensar o que significa esse “cuidar” do qual Chris Brown não pode prescindir, o que é isso que torna essa mulher tão vulnerável a um espancador?

A quem cabe significar o que existe entre Rihanna e Brown? Ao coletivo? A mim, a você? Aos psicanalistas? Aos feministas? Não,  não cabe a ninguém. Os jargões midiáticos da vez podem ser fortes e cheios de impacto social, mas não podem alcançar nenhum lugar além do qual ele realmente pertence: o campo da linguagem.

“Coletividade” “Empoderamento” “Protagonismo”, you name it, são apenas significantes que, sozinhos, não quer dizer absolutamente nada, pois só fazem sentido dentro de um discurso representante de um liame social, essa ligação, esse liame com o outro não é outra coisa que a relação que cada mulher mantém com um homem dentro de uma realidade que também não pode ser outra que não discursiva.

O problema está justamente encrustado na fácil solução da receita do bolo, em tomar o significante como algo totalmente desencadeado de um discurso, é tornar o significante pedra, quando na verdade ele é líquido, escorradio e por isso, perigoso, pois é na queda que podemos pensar em talvez entender certas relações que se fundam em violência, em abusos. Tomar o significante como significado é erro, e desse erro podem nascer as mais terríveis soluções. Ser mulher é ser qualquer coisa dentro de um discurso que só faz sentido para aquela mulher, por isso o significante não é arbitrário, mas, ao contrário disso, é perfeitamente encadeado dentro de uma rede de sentidos que só fazem sentido para uma mulher, o singular jamais será definido pela invasão coletiva.

Portanto, não vamos conseguir empoderar Rihanna, também não devemos julguemos “a mulher sem açúcar” que apanha dia útil e que é alisada em dia santo, tal como Chico a descreveu.  E nada disso que estou dizendo significa ser conivente com qualquer violência – se você entendeu isso, leia de novo, sugiro recomeçar do começo. Não seremos nós as testemunhas silentes diante do apedrejamento de Geni. O que estou dizendo estou dizendo a partir de um discurso que não ignora o inconsciente.

A mulher não existe e qualquer tentativa de empoderá-la ou coletivizá-la se transforma num redundante fracasso.


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

As solteironas (De Carmen da Silva, para a Revista Cláudia, fevereiro de 1974)



Solteirona é uma palavra pesada, com uma conotação precisa, às vezes amarga, às vezes maliciosa, que ecoa socialmente como uma punição à mulher que vive sozinha. Carmem traça três perfis distintos, três maneiras de uma mulher enfrentar esta situação: aceitando, e se tornando uma solteirona irrecuperável; ou mulher realizada, ligada à vida e às coisas; ou o tipo solteirona por atitude

Matéria original da Coluna A ARTE DE SER MULHER, escrita por Carmen da Silva
Todas vocês seguramente conhecem alguma solteirona. Talvez ela não tenha mais de 30 anos (às vezes nem isso) e seu aspecto seja excelente; mas, mesmo assim, ela já mostra as características da solteirona. Aliás, se vocês forem boas observadoras, já terão descoberto esses traços desde que ela tinha 18 anos. Ela é uma pessoa cheia de pudores e medos; tem tendência a achar que tudo está mal, abstém-se de mil coisas por causa da possível opinião dos outros ( que nem estão reparando no que ela faz) e critica com mal disfarçada acritude os modos das que são sexy, espontâneas, flertadoras, admiradas, populares. Às vezes posa de indulgente: ‘Não é que eu reprove, mas eu não tenho temperamento para agir assim’ – e seu tom está insinuando quem está certa é ela, ou melhor, que as outras estão muito erradas e são ‘salientes’ demais. Nossa solteirona é um pouco beata, bastante piegas e muitíssimo apegada aos pais, sobretudo à mãe; basta um gesto meio displicente desta para afundá-la na fossa; ela fica deprimida como uma criancinha cujo universo ainda girasse exclusivamente em torno das atitudes maternas; se os pais são mortos, ela cultua a memória deles; não é apenas o carinho e a gratidão normais, senão a dedicação fundamental que os transforma em eixo da vida dela. Exigente demais com as amigas, nunca dá tanto quanto recebe, nunca se considera obrigada a tomar uma iniciativa, a dar o primeiro passo: fecha-se em copas e espera que a outra se aproxime, chame, convide, insista. 

Ciumenta e absorvente, sente-se traída quando a amiga tem outros interesses, outras relações afetivas, de amizade ou de amor, que absolutamente não a excluem, mas que ela, em sua hipersensibilidade, considera como uma escolha que a desfavorece, uma exclusão: quer ser a única importante na vida dos outros – e nada faz para conquistar esse lugar. Amargurada, só sorri com meio lado da boca; parece estar sempre insinuando: ‘Claro, para você é muito fácil: com um marido ao lado...’ – como o pobre faminto que olhasse de fora o banquete alheio. Nunca pensa em marido em termos de compartilhar a vida, as responsabilidades, os prazeres e as vicissitudes: pensa só em termos de proteção e apoio, de jogar-se como um fardo nas mãos de alguém.

Convidada para uma festa ou reunião, logo esquece que se divertiu, conversou, brincou: a única coisa que lembra é que na hora de ir embora cada um pegou seu par e ela não tinha par; foi levada em casa ( com toda a gentileza, com toda a consideração) por um casal amigo que lhe deu carona e isso envenena retrospectivamente a noitada. Ela tem inveja da felicidade – real ou suposta – dos outros e essa inveja lhe estraga todos os bons momentos; não desfruta do que tem e passa o tempo lamentando o que não tem.

A solteirona triunfante, a casada
Se nossa solteirona é mulher de sucesso em seu trabalho, em seus negócios, o mais provável é que ela e torne masculinizada, da forma mais crua: voz áspera, gestos abruptos, atitudes de quem não admite brincadeiras, conversas puramente intelectuais ou comerciais, impaciência com os interesses, que ela acha frívolos, das outras mulheres; será a amiga dos maridos, que só tolera as esposas com  um grau visível de desdém. Mas talvez vocês conheçam uma solteirona casada: ela existe, responde ao tipo descrito e o erro não é da natureza, e sim, do Registro Civil. Por assim dizer, ocorreu uma mancada, e a solteirona foi parar onde não tinha nenhuma vocação de estar. Tem infinitas queixas contra o marido: nenhum homem está em condições de dar – ou suportar – o que ela espera dele. Sua atitude é de dependência viscosa ou de dominação castradora. Para o olho sagaz, a coisa é clara: ela continua sendo a ‘filhinha de mamãe’ com relação ao marido, ou é para ele a mamãe de um ‘filhinho’ irresponsável e imaturo – nos dois casos se sente frustrada, pois nenhum homem, por mais neurótico que seja, consegue cumprir totalmente suas exigências regressivas. Ela não se casou para ser feliz ao lado de um homem, senão para repetir com ele, na forma passiva ou ativa, uma relação materno-filial em moldes infantis: a única relação de que ela é capaz.

Quando uma mulher, com vocação de solteirona, se casa, é comum que acabe se desquitando; e aí todos os amigos sagazes têm a impressão de que ela encontrou seu verdadeiro caminho; apesar de todos seus ressentimentos, está mais tranquila, mais ‘normal’, sem um homem.

A celibatária
Vocês conhecem uma celibatária? Uma mulher que é solteira além da idade, sem ser solteirona. Talvez não, pois o tipo é bem mais raro entre nós: os preconceitos de nossa sociedade não são propícios ao seu desenvolvimento. Mas ela existe e é uma personalidade bem definida. Vive de seu trabalho e tem a sorte de adorar seu trabalho – ou então, se esse for o caso, consegue suficiente tempo livre para fazer algo que adora e, com isso, se sente realizada. Mora num apartamentinho cheio de bossa e repleto de  amigos que se sentem bem aí. As outras mulheres, casadas ou solteiras, correm para ela para contar-lhes seus problemas e serem confortadas, tendo ouvido a palavra cordial e compreensiva de que necessitavam. As crianças são vidradas nela: a tia que todas desejariam ter.
Os homens procuram sua companhia, acham-na estimulante, divertida, generosa, sempre pronta a ouvir com simpatia uma confidência difícil, a dar o conselho sincero e desinteressado ou, se for o caso, a debater opiniões com altura e objetividade. Dela dizem os maridos das amigas: ‘Puxa, não compreendo como  é que Fulana continua solteirona: será que os homens não têm olhos?’ – e as respectivas esposas aprovam, sem o menor ciúme. Ela pode ter ou não ter um amor: isso depende de sua escolha. E não é raro que, já bem avançada nos 40, ela ainda tenha um bom número de candidatos na fila de espera. 

Se chega a decidir-se por algum deles, não é por medo de terminar sua vida sozinha: ela sempre ‘se virou’ e nunca sofreu de solidão; é porque achou que dá pé. Isto é, que sua vidinha feliz será ainda mais feliz com ele. E o escolhido vai esfregar as mãos de contente, sentindo-se um privilegiado. Nunca pensará: ‘Peguei alguém que ninguém mais quis’, mas sim: ‘Ela passou anor recusando uns e outros para finalmente se decidir por mim: sou o maior’

A vidinha pedida a Deus
 Confesso que fico profundamente penalizada ao ler cartas de mulheres solteiras que já estão acima da considerada ‘idade casadoura’, morando sós ou com os pais e me escrevem queixando-se de solidão, vazio, necessidade de amor, frustração por não ter ao lado marido e filhos, falta de objetivos, vontade de morrer. 

Elas me fazem pensar no mendigo que tem milhões escondidos no colchão e vive uma existência miserável, alimentando-se de sobras e abrigando-se com farrapos. Pessoalmente, casei tarde e antes morava sozinha; sei por experiência própria o que é a vida de celibatária, curtindo seu apartamentinho, seus amigos incondicionais, seus bons papos, sua turma sempre disponível, seu telefone sempre chamando – enfim, uma vida plena de afetividade, comunicação, diálogo.
Posso garantir que desfrutei cada minuto dessa existência. E se bem não a lamento, agora que entrei em outra, não é sem saudades que relembro minha vidinha de celibatária. Eu trabalhava fora e a empregada vinha fazer a limpeza durante as horas em que eu não estava em casa; assim, eu encontrava tudo em ordem sem ter preocupações domésticas e sem ver minha intimidade invadida por uma estranha.

Fazia minhas refeições em restaurante e não tinha de pensar em compras, cardápios, etc.
Às vezes o dinheiro ficava curto e eu rondava pelas redações, oferecendo matérias freelance para desapertar o orçamento. Amigos dos dois sexos vinham todas as noites, e juntos discutíamos a arte, o futuro do mundo. Quem quiser um panorama mais completo desse estímulo de vida, leia A força da Idade, de Simone de Beauvoir; aí poderá ver o que  é uma existência baseada em objetivos próprios, mas sem carências afetivas; livre de amarras convencionais e aberta aos acontecimentos, aos contatos, às surpresas.

É certo que nem todas podem ter ao lado um Sartre: mas quantas o desejam? Nem sempre é preciso tanto para satisfazer – e satisfazer plenamente – o nível das próprias aspirações.
Enfim, ao ler uma dessas inúmeras cartas que dizem: ‘Tenho xis anos, sou solteira, vivo do meu trabalho e não me conformo por não ter ao lado marido e filhos, sofro uma solidão horrorosa, sinto-me diminuída, inferiorizada, vazia, infeliz’, é com muito de reação pessoal que penso: Puxa, essa moça tem a vidinha que qualquer uma pediria a Deus – e ainda se queixa?

A diferença
As circunstâncias externas são praticamente as mesmas nos dois casos. O que as distingue é a atitude emocional de cada uma. A celibatária não tem pressa de casar e nem sequer decidiu a priori se um dia chegará ao casamento: optará por ele ou não, de acordo com suas inclinações, quando chegar o momento oportuno. Não está pensando que suas amigas casaram e ela não; imagina que, se as outras já casaram, é porque tinham para isso boas razões que ela ainda não tem. Não olha o par com inveja ou ciúme; ao contrário: se a amiga ou o amigo casou, seu parceiro (ou parceira) é mais uma amizade que lhe vem ‘ de quebra’.

Frustração dos instintos maternais? Isso é relativo, muito fomentado: a sociedade espera que a mulher que não tenha tido filhos na idade convencional seja infeliz e frustrada. Os homens saltam muito rápida e arbitrariamente à conclusão de que assim é – a tal ponto que, às vezes, fico pensando se eles não projetam nela sua própria frustração pela incapacidade biológica de procriar. A verdade é que a vida oferece muitíssimas outras satisfações além da maternidade: o amor, a tarefa, a realização, a criatividade, a amizade: e essas tradições se substituem entre, si, umas compensam a ausência de outras. O único que não é possível é viver sem nenhum tipo de gratificação: mas quando vários são possíveis, a pessoa bem integrada não tem nada a lamentar. A celibatária não se sente incomodada pela falta de filhos ou de um homem a seu lado, assumindo a vida por ela, responsabilizando-se por ela: é mais do que capaz de assumir-se e responsabilizar-se sozinha.

Enfim, a celibatária é uma mulher que resolveu construir sua própria existência, ser uma pessoa por si mesma. Isso de nenhum modo exclui o amor de um companheiro, mesmo que ele não seja o definitivo; e também não exclui a escolha de um companheiro definitivo, em qualquer etapa: o casamento não está eliminado de suas cogitações, sem ser, entretanto, a finalidade primordial de sua vida. A celibatária se organiza a partir de  dados reais: o que ela é, o que ela tem em si, o conjunto de  sua situação, as potencialidades que ela pode desenvolver – sem idealizar o que poderia ter sido. Em resumo, ela possui suficiente maturidade emocional para enfrentar o desafio.

As limitações do casamento
O casamento não é nenhuma prisão. Mas a verdade é que, nas condições vigentes na sociedade patriarcal, mesmo um casamento feliz e harmonioso cerceia em muito a liberdade o desenvolvimento da mulher. Por mais que numa união desse tipo não haja ciuminhos tolos nem restrições absurdas à liberdade de ação da esposa, os próprios preconceitos sociais pautam sua conduta em moldes rígidos, privando-a de seguir certos impulsos, tomar atitudes espontâneas, permitir-se gestos e modos menos circunspectos, que só seriam tolerados numa solteira. Ela se submete a essas imposições em atenção ao bom nome do marido, pois, se a mulher não se conduz conforme as convenções, todo mundo passa a chamá-lo de ‘coitado’ ou ‘boboca’.

Por outro lado, recai sobre ela a carga da rotina doméstica, com o peso das preocupações materiais, miúdas, rotineiras embrutecedoras, embotando-lhe o cérebro e absorvendo-lhe o tempo e as energias que assim são desviados de finalidades mais criativas.
E não me digam que a solteira que mora só, numa pensão ou apartamentinho, tem os mesmos problemas: todo mundo sabe que seu estilo de vida, no que tange às tarefas domésticas, é infinitamente mais simplificado. E nem poderia ser de outro modo, pois ela tem de trabalhar para sustentar-se.

Tudo isso sem falar nos filhos. Aqui nem vale a pena pormenorizar: qualquer mãe de família sabe das milhares de obrigações de seu dia-a-dia, da impossibilidade de dispor de suas noites, da atenção constante e dos inúmeros cuidados materiais – não falo dos outros – que ela tem de dispensar às crianças.

Nessas condições, eu me pergunto: se uma mulher não está apaixonada por ninguém em particular – uma pessoa cuja companhia lhe pareça compensação mais do que suficiente por tudo de que ela deverá abdicar – , se ela se mantém sozinha com seus próprios recursos: se ela tem um vasto campo de possibilidades de realização, afetiva e social, por que é que ela não desfruta dessa maravilhosa liberdade e vive amargurada pela falta de marido, pela falta de amor?

O cárcere interior
Em realidade, quando falo de liberdade, refiro-me somente à celibatária. A solteirona, embora com as circunstâncias a seu favor, não a tem, porque vive encarcerada dentro de si mesma. Dentro de sua neurose, de sua própria incapacidade de dar amor.

Sei que as atingidas vão protestar. Pois se elas não fazem mais do que pensar em amor, o amor é sua ideia fixa, seu desejo obsessivo; sentem-se asfixiadas de amor sem objeto.
Quem tem amor de verdade para dar, sempre recebe amor em troca. Pode haver um intervalo, uma pausa, um período em que essa pessoa não esteja apaixonada por ninguém em especial; mesmo assim, mesmo assim, ela continua dando amor aos parentes, aos amigos, à tarefa que realiza, às atividades que lhe agradam, às ideias ou causas em que crê. E por fazer tudo isso com amor, ela se sente fundamentalmente feliz, mesmo que o lugarzinho privilegiado em seu coração esteja temporariamente desocupado. Essa momentânea ausência de um objeto específico de amor não a angustia: segura de suas disponibilidades, de suas reservas afetivas, não precisa estar sempre provando a si e aos outros que as possui.

No caso da solteirona, esse amor encruado, sem extravasão, só lhe traz frustração, rancor contra os homens que não a procuram, inveja das mulheres que tiveram mais ‘sorte’, ressentimento pela felicidade alheia, senso de exclusão injusta, de barreira que as separa do resto do mundo. Vê-se, pois, que esse chamado ‘amor’ só se traduz em sentimentos negativos: em realidade, ele não é senão o disfarce de um profundo ódio recalcado, isso se torna particularmente evidente quando um homem se aproxima da solteirona com intenções eróticas. Em geral, ela começa por afastá-lo: com sua frieza camuflada de recato, sua agressividade dissimulada em ‘nervosismo’, suas atitudes pouco cordiais, seus intensos receios de que possa ‘não dar certo’, seu medo de comprometer-se numa ligação que talvez venha a fazê-la sofrer, ela encontrará meios e modos de estragar tudo. E só quando ele tiver ido embora definitivamente, ela começará a alimentar a fantasia de amá-lo: adora-o, sofre por ele, está desesperada, tem vontade de morrer – mas tudo isso quando ele já se tornou inalcançável. É óbvio que ela não se atreve a amar um homem real. O que ela fez, no caso, é tomar um homem real como modelo físico para sua própria fantasia: ama um objeto criado e idealizado em sua imaginação; esse objeto pode ter as feições de Fulano ou Sicrano, mas isso é tudo: como pessoa concreta, Fulano ou Sicrano não consegue ter acesso ao mundo interior narcisista.

Muitas vezes esse amado ideal nem tem rosto; em outras ocasiões, a solteirona cultua a memória de um ex-namorado da adolescência, de um noivo morto há vinte ou mais anos atrás.

Em busca de uma saída
As solteironas se revoltam quando me escrevem pedindo ajuda, e eu respondo ‘Psicoterapia, psicoterapia!” Não se consideram doentes, e sim, infelizes. Acham-me dura, insensível, incapaz de compreender as infinitas riquezas de amor que elas têm no íntimo, de simpatizar com seu sofrimento. Neste último ponto estão redondamente enganadas: posso avaliar, talvez melhor do que elas próprias ( pois há muita coisa que elas reprimem, negam, escondem de si mesmas), a extensão de sua dor, o caráter absorvente e esmagador de sua depressão. O que não posso é dar cumplicidade ao seu sistema de autoengano: elas não sofrem de amor – aliás, ninguém sofre de amor; sofrem é de ódio que não ousa assumir seu nome; e por essa distorção, isto é, por não estar conscientizado, ele neutraliza todo o amor real que elas possam ter em si.

A solteirona é uma pessoa que, não tendo sido suficientemente amada, ou tendo tido exigências excessivas de amor, na sua infância, ficou fixada a essa fase da vida, om um senso de reivindicações. Ela cresceu em anos, mas não em estrutura psicológica: já adulta, continua querendo vingar-se daquela mãe que não a amou o bastante, daquele pai indiferente ou severo demais. Ou recuperá-los, se, ao contrário, eles abafaram sua personalidade com excesso de mimos e proteção. É a eles, os pais, que está referido seu desejo de dar e receber amor; mas esse intercâmbio é concebido em termos infantis: mamar, ser levada ao colo, paparicada, dirigida, dependente; portanto, ele é impossível, mesmo que haja pais vivos e dedicados. Ela está situada fora do tempo real: não quer um amor aqui e agora, que, como todo o amor normal, se projete no futuro: ela quer amor ontem. E isso, sendo irrealizável, deixa-a permanentemente frustrada e, em consequência, permanentemente raivosa – e culpada por essa raiva, punindo-se por ela através da solidão e da depressão. Ela também não quer o amor do outro: para o bebê, os pais não são “outros”, são partes de  si mesmo; o que a solteirona deseja é o vínculo narcisista com sua imagem no espelho, a simbiose com os pais, que lhe permitirá amar-se.

Enfim, ser celibatária é ser madura de idade e de estrutura psíquica, e não estar casada, agora, no momento; ser solteirona é ser madura de idade, imatura de estrutura psíquica, sofrer com sua condição e não ter dentro de si os recursos para modificá-la. Não ridicularizemos, como fazem alguns, os tormentos da solteirona: ela sofre a carência instintiva e afetiva mais radical, que é a de quem vive voltada para uma satisfação impossível, porque baseada em fantasias regressivas, reivindicações arcaicas.

A tomada de consciência do verdadeiro núcleo do problema (através da psicoterapia como método ideal; ou, quando esta for impossível, mediante uma honesta e corajosa auto-análise, até chegar às raízes) daria à solteirona sua oportunidade de transformar-se numa celibatária e viver uma vidinha invejável, com todas as perspectivas – inclusive matrimoniais – da celibatária. Uma mulher – feia ou bonita, não vem ao caso – tão cordial, tão generosa, tão gente que todo mundo que a conhece diz: “Puxa, será que os homens não têm olhos?” E vai ver  que eles têm – e estão lá: quem fala é porque não sabe.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Je suis lacanianne, mon amour

Em seu texto "Lacan elucidado" Jacques-Alain Miller nos relembra do fato de que o desejo neurótico equivale à felicidade, uma felicidade nunca atingida, e por isso mesmo, tão almejada. 

A questão central do neurótico, nos relembra Miller, será sempre o "Che vouir?" Ou "O que quer?". Portanto, ao neurótico cabem as perguntas, cabe a interrogação do desejo. E para o perverso? Ora, a questão não é uma questão. Em última análise, a interrogação não consta na máquina de escrever do perverso, pois, nada do seu desejo corresponde a uma dúvida, o perverso é aquele que, de repente, sabe.

Segundo Miller, seria esta a base da arrogância perversa. Meu complemento: o gozo do perverso é ser aquele que goza enquanto o outro pergunta. O perverso não questiona, ele sabe, ele sabe que é. E, no caso que ilustro aqui ele sabe que é francês. Desdobremos melhor esse argumento, pois será útil no que pretendo desenvolver.


Se o perverso detém a chave do mistério, se ele possui o código capaz de abrir qualquer cofre, ele não é dado à elocubrações ou reflexões, pois a Verdade está posta e ela não pode duvidar daquilo que simplesmente é. O perverso  tudo sabe e nada desconhece. E se nada questiona, cabe dizer que ele  se coloca como aquele que é o caminho, a Verdade e a vida, assim sendo, não haveria de duvidar de sua própria identidade, pois a Verdade é uma: ele é, e completo: Ele não apenas é, mas também é francês.

Além de ser aquele que é, le subject psicanalitique frequentemente é francês, não se sabe ao certo se oriundo da parte leste, um verdadeiro francês da região da Alsácia, ou da região da Normandia. A origem aqui não é tão importante como a nacionalidade, que é certa: ele é inevitavelmente francês, como o são as baguetes, os croissants e o molho bechamel.


Estamos agora falando de um perverso típico, estereotipado e clichê: estamos falando do psicanalista français-version, candidato ou membro da afamada " Eccole Fajute-version de Psychanalyse". Vejamos o motivo que o torna tão especial, tão-todo.

(1) Je parlais français, et vous?

Sabemos que estamos diante de um psicanalista da "Eccole Fajute-version de Psychanalyse" quando a primeira pergunta que ele nos dirige está relacionada à idiomas, mesmo que seu vocabulário se
restrinja a algumas expressões idiomáticas decoradas à força e pronunciadas com um acento ou sotaque que quase sempre não é compreensível para o próprio francês, o verdadeiro. 

O membro da Eccole se regozija ao dizer a quantidade de verbos que aprende semestralmente em seu curso do SENAC e costuma fazer jus ao que aprende tentando aplicar em frases aleatórias algumas das expressões que a duras penas conseguiu memorizar. Há ainda os que logram mais êxito ao conseguir pronunciar frases-clichês que muito servem ao ofício de qualquer psicanalista da Eccole. São elas:

a) La vérité a structure de fiction.

Essa é fundamental para todo aquele que deseja tornar-se referência no campo psicanalítico, especialmente aqueles que se nomeiam seguidores de Lacan. Para o iniciante, convém memorizar - et aplicar - sempre que possível.

b) "La femme n'existe pas"

Essa talvez seja uma opção viável apenas àqueles psicanalistas que se considerem iniciados, pois seu uso requer um domínio maior acerca das concepções lacanianas  das relações entre as posições masculina e feminina.

 Para seu uso é recomendável a leitura dos Seminários 19 e 20, além, lógico, do dicionário de Psicanálise de autoria de Madame Roudinesco. ( não preciso dizer que para os membros da Eccole fajute-version, essa leitura pode ser feita en passant, comece e termine pelas "oreilles " dos livros).

Seu uso é recomendado em uma roda de amigos igualmente integrantes e praticantes da "Eccole.

c) "Le désir de l'homme est le désir de l' Autre"

 Essa expressão é indiscutivelmente a chave para a sua entrada na Eccole e requer ser bem pronunciada, para tanto, convém aulas semanais e mesmo reforço escolar para que nenhum traço ou vestígio de um idioma incoveniente sobrevenha e atrapalhe seu ingresso na Eccole. Já diriam os mais antigos fundadores dessa instituição, quem não conhece "l'Autre" n'existe ( vejam que algumas das expressões podem ser usadas em combinação, e isto é o que torna tão mágico o idioma francês". Insisto: convém mais aulas no SENAC para uma pronúncia impecável, não arrisque seu passaporte para uma instituição tão renomada).

É mister ressaltar  que para se candidatar a uma vaga na Eccole Fajute-version de Psychanalyse é necessário preencher uma série de outros requisitos aqui apontados à guisa de esclarecimento. Por isso, prosseguiremos.

(2) Les cigarettes dans l'obscuritè:

Para todo aquele imberbe psicanalista que acreditou que seu ingresso na Eccole dependeria única e exclusivamente de seu traquejo no idioma de Napoleão, trago más notícias: não pense que algumas expressões idiomáticas fazem de você automaticamente membro de uma instituição como esta. 

Reza a lenda que outras características próprias da personalidade do candidato serão avaliadas, isto é, sua capacidade de encarnar o sujeito do gozo e de manejar de maneira irrepreensível o discurso do mestre. 

Para tanto, convém entender de Topologia ( en passant) e, mas, acima de tudo: convém assegurar-se de que, de fato, não se é um estranho no ninho: a banda de Moebius deve ser um conceito não apenas a ser aprendido, mas divulgado e massivamente repassado aos outros membros da Eccole, sempre se observando o obscurantismo da linguagem - não esqueçam de que estamos falando da "Eccole de Fajute-version de Psychanalyse" e quanto mais as pessoas franzirem o cenho para cada frase sua, tanto melhor, é isso que lhe oferecerá a certeza de que você está perante acéfalos, será o seu conhecimento avec seu mis-en-scene o responsável por retirar o ignóbil das garras de sua vacuidade.  

Serás o Napoleão, serás o general, e marcharás rumo às terras da ignorância alheia, serás o mestre profanador e o mestre de todas as coisas. Além disso, preze pela imagem intocável que é conveniente à imagem que você deseja transmitir para toda a plateia, cigarettes são bem vindos, pois contribuem para a cena noir , o que muito eleva o poder de suas palavras. Caso domine a arte elegante do tabagismo, considera-se oportuno variar os produtos para charutos e cachimbos, mas lembre-se: Narguilé não é bem visto pelos membros da Eccole.

Para melhor fixação, reitero: abuse dos obscurantismos na linguagem ( aí entra a necessidade de dominar o que foi exposto no tópico 1). O resto faz parte da mis en scene que você construirá. Seu nome está em jogo.

3) Croissant et Chandon:

 Diante do que foi exposto até então, você já deve ter percebido o grau de exigências que são impostas aos candidatos a uma vaga na Eccole. Portanto, se você conseguiu dominar os dois tópicos anteriores, já é capaz de preencher facilmente os requisitos relacionados a este ponto, pois já deve ter adqurido um paladar refinado condizente ao de uma pessoa francesa e adepta à Psicanálise lacaniana-lacanóide. No entanto, caso este não seja seu caso, algumas advertências são cabíveis:

 Todo bom membro da Eccole consegue adequar seu paladar ao que estuda e o que parece bobo e sem sentido, torna-se um dos requisitos mais importantes para sua aceitação. Portanto, papel e caneta na mão, attención!

a) Não é apropriado o gosto por cerveja, objetivamente falando, troque a cevada por um bom vinho Merlot (no caso dos vinhos, quanto mais envelhecido melhor). E, como estamos falando dos interesses enológicos, cabe mesclar, entre um gole e outro, comentários relacionados à safra do vinho que é sorvido delicadamente. Anote algumas expressões que podem interessar:

1. "Sinto o gosto de carvalho envelhecido tocar minhas papilas gustativas num frenesi de sabor! É quase o gozo Outro!" ( risadas baixas são permitidas).

2. "Nada como uma boa taça de ________". (complete com o nome do vinho, e não esqueça da safra) para esquentar uma boa discussão.

Observação: Há ainda uma melhor opção: quando você consegue unir seus conhecimentos enológicos ao linguajar lacanês típico da Eccole, como na frase abaixo:

Exemple: "Nada como um bom Merlot da Alsácia, com esse gosto acarvalhado indefectível e uma discussão sobre Le desirè!"

Exemple 2: l'infer est la mère. Le Merlot est le femme du desire!" (Risadas)

Para um ou outro intervalo no vinho, para quem é mais jocoso, utilize os coringas:

"Le vin n'existe pas!"
"Le vin suis lacanianne!"
"Bacco est italien mais le merlot est le Français!" (Sempre cai bem para os fanfarrões)

Outras opções de bebida: Não existem, seu paladar deve ser pedagogicamente levado a ignorar as demais bebidas, pois estas não são clichês o suficiente, salvo os espumantes, prefira os Chandon e Velvet Liquot. Ah, também não é preciso dizer que todos os vinhos devem ser rigorosamente secos, pois tudo que seja suave serve apenas para cozinhar carnes e aves.

Opções gastronômicas: queijo brie, queijo gouda, queijo holandês (única exceção  à comida de outro país), coq au vin, crepe suzete (clássico), aves: codorna, pato e ganso. Frutos do mar: ostras, lagostas e camarões ( tentar harmonizar com um bom Merlot acarvalhado, se possível com notas de baunilha ou frutas vermelhas, também conhecidas como "Fruits de la forêt").

Sessão Pâtisserie: Macarrons, Madalaines, Croque Monsieur, Croissant, Brioches, Petit Gateau (em baixa ultimamente devido à crescente vulgarização) , Profteroles (mesmo caso do Petit gateau, mas ainda assim uma ótima opção nos dias de inverno, evite Foundue - igualmente vulgarizado e abrasileirado!). 


4) Godard est mieux que Pelé!

É desnecessário dizer que conversações sobre esportes ou qualquer outra manifestação corporal é terminantemente mal vista pelos membros da escola ( as únicas exceções são Lacrosse, Badminton, Golfe e Tênis). 

Todo o resto, inútil dizer, não deve existir para você. Trabalha-se com a linguagem, o inconsciente é estruturado como "language, non come le corps!"
Futebol? Nem pensar! Somente são permitidos comentários sobre as finais de Roland Garros ou algo do gênero, lembre-se que se trata aqui de responder positivamente a tudo que for clichê no tocante à cultura e hábitos franceses.

 Às vezes flagramos um membro da Eccole gritando aos quatro cantos algo como "Alle, le bleu!". Isso constitui grave crime, e como todo crime, está passível de punição. Futebol não é um esporte lacaniano, muito menos francês. 

Sempre prefira discussões sobre filmes, daí seu gosto de cinéfilo dever contemplar os idealizadores de tudo que representar a Nouvelle Vague, caso não conheça o movimento, estude no Wikipedia para não decepcionar os seus ouvintes. 

Aqui vão dicas de cinema:

1- Audrey Hepburn pode ser a bonequinha de luxo, mas B.B (Brigitte Bardot) será sempre a "femme fatale" do cinema. Filmes interessantes a se citar: " E Deus criou a mulher ", "Acossado", "Uma mulher é uma mulher", "A bela da tarde".

Não acho necessário, mas irei ressaltar: pesquise os títulos originais dos filmes e dos diretores. Não precisa conhecer todos os representantes da "nova onda" ( Nouvelle Vague!) basta uma pitada de Godard, que é o principal mesmo.


Não esqueça de citar os mais recentes: "Azul é a cor mais quente" (hit-hot do momento!) "A trilogia das cores", "Os sonhadores", para os modernosos: "O fabuloso destino de Amelie Poulain (fortemente vulgarizado, mas ainda surte efeito nas rodinhas de amigos da Eccole". Não esqueça que a frase "Les temps sont durs pour les rêveurs" sempre abre portas!)

5) Les femmes, echarpe, les hommes, brettelles!

Aqui umas dicas de vestimenta para você que já se sente tão francês. Se a candidata for mulher: echarpes, chales e meias-calça. Boinas são opções deveras arriscadas e só combinam com candidatas jovens, se você aceitar o risco, arque com as consequencias. 
Para os homens: Suspensórios ( item de primeira necessidade) e gravata borboleta (para os mais ousados, combina muito com charuto, e orna se seu look for Lacan-inspired, vide item 2) Pret-a-porter é a bola da vez. Um ou outro acessório Chanel é essencial (lembre-se da pontinha de mascarada!).

Não pretendo me alongar nesse ponto, mas é interessante notar que a vestimenta, a maquiagem , o empunhar de um cigarro, a mexida suave nos cabelos bem tratados é essencial para a completa mis en scene e sem o pacote completo dificilmente você deixará a sua marca na Eccole, em uma frase: o homem é o estilo, invista no seu!, seja original!)

6) Elegance avec Arrogance


Esse tópico quase foi excluído da lista, achei que estaria dizendo o óbvio. Todo e qualquer membro da Eccole deve se assegurar de que está cultivando sua arrogância constantemente, e para que não se tenha dúvidas de que se está sendo arrogante o suficiente , todo o check list acima deve ser feito. 

Portanto, para efeitos de checagem, resumamos tudo que foi dito até então em algumas perguntas objetivas:

1) Estou dominando o suficiente as expressões idiomáticas francesas?
2) Meu sotaque é de que região da França? Há traços de regionalismo?se sim, quais?
3) Minha postura é adequada a de um membro da Eccole Fajute-version de Psychanalyse?
4) Rebato críticas com veemência e prepotência suficientes para esconder minha vacuidade?
5) Utilizo o lacanês nível avançado para esconder minha ignorância?
6) Decorei suficientemente os matemas lacanianos e os traduzi de forma correta para o lacanês mais obscuro?
7) Ignorei o suficiente as atividades de supervisão diante das necessidades da "fajute clinique"?
8) Mantenho vivo em mim o necessário narcisismo primário que me ajudará a nunca esquecer os preceitos norteadores da Eccole?
9) Continuo desconsiderando qualquer possibilidade de deitar num divã?
10) Confio plenamente em tudo que produzo em termos de teoriazação?

Ao responder esse check list positivamente você estará a um passo de se tornar um membro efetivo da Eccole Fajute-Version de Psychanalyse" , comemore, suas chances de ser aceito crescem assustadoramente!

Adendo:


Questions fréquemment posées ( Questões frequentemente feitas)

-- Ser acadêmico faz de mim um membro da Eccole?

Pergunta repetitiva, mas, volto a dizer que o fato do candidato exercer a atividade docente não o torna automaticamente membro da Eccole, é preciso manter a chama dos princípios-base acesa. Apesar disso, alguns membros da academia constituem presença marcante na Eccole, isso não é segredo para ninguém.

-- Ser histérica é condição básica para fazer parte da Eccole?

Pergunta capciosa e frequente. Costumo respondê-la de maneira didática:  Não era porque Anna O. era a histérica preferida de Freud e de Breuer que ela seria, automaticamente, membro da Eccole Fajute-version de Psychanalyse. Na verdade, a moça virou assistente social. 

Vejamos: é lógico que uma certa encenação, maneirismos e trejeitos da histérica são facilmente compreendidos como condições para sua entrada na Eccole. Mas, é preciso cautela nestes casos: não basta ser histérica, é preciso ter um pezinho na perversão, pois máscara sozinha não faz semblante, se você é histérica se espelhe em outras histéricas que conseguiram, ao fim de muito esforço, transparecer conhecimento e eloquencia em sua fala. Ajuda muito dominar os tópicos 1 e 5 (lembre-se, aqui se trata de aparência, e a aparência é tudo!)

-- Quando um psicótico se torna apto a se candidatar à Eccole?

Fácil. Quando ele consegue manter um nível básico de integração egóica que o torne quase perverso ( na Eccole achamos isso possível, sim!), então o que é na verdade delírio pode se transformar em eloquência. A verborragia do psicótico pode nos ser muito úteis em seminários e palestras. Já vi belíssimos casos em colóquios sobre Topologia lacaniana.


Bem, eu espero ter chegado ao fim dessa explicação. Sei que me estendi, mas tornou-se fundamental esclarecer aqui os requisitos fundamental para ingresso na Eccole Fajute-version de Psychanalyse. Acredito que falei tudo e que não há mais nada a falar. Nem por mim, nem por ninguém.

Agradecimentos especiais: wikipedia, dicionário babylon 10 português-francês